domingo, 3 de março de 2013

Entrevista Betty Milan: "A escuta tem uma função pacificadora"


Andreia Santana - A TARDE


Lailson Santos | Divulgação
Betty Milan já está trabalhando em um novo livro




A jornalista, escritora e psicanalista Betty Milan lançou recentemente pela Editora Record o livro A força da palavra, que reúne entrevistas com 32 intelectuais das mais diversas áreas do conhecimento. Via e-mail, a autora falou ao A TARDE do novo livro, do ato de escrever e da importância da escuta no mundo contemporâneo:

A TARDE - Dos gêneros literários que já experimentou como autora, do romance ao teatro, passando por uma obra infantil, em qual se sente mais à vontade para criar e qual o que se configura em seu maior desafio?
Betty Milan - Para mim, o mais facil é o teatro e o mais difícil até agora foi o romance. Penei para escrever O Papagaio e o Doutor e Consolação. Fiquei 5 anos em cada um destes textos... Agora, quanto mais a gente escreve, mais a gente aprende.

Saiba mais


AT - O que significam a escrita e o ato de escrever para você?
BM - A escrita suspende o tempo e me transporta para um outro lugar em que eu fico contente. Significa um encontro comigo mesma, através do qual eu me renovo. Trata-se de um ato vital, no meu caso. Vou abordar o tema no livro que estou escrevendo, A Carta ao Filho.
AT - A força da palavra é um livro de entrevistas, o seu anterior, Quem ama escuta, reunia cartas de leitores e suas respostas como colunista. Existe uma grande necessidade de dar voz ao outro na sua produção recente. Você acredita que as pessoas precisam se escutar mais e também revelar mais de si ao outro? Precisamos aprender mais lições uns com os outros?
BM - Acho que caminhamos para um mundo em que a escuta terá uma importância cada vez maior. Obama foi eleito e reeleito porque sabe escutar. Mereceu o nobel da paz por isso. Como eu digo na introdução ao meu consultório sentimental,  a escuta tem uma função pacificadora e é cada vez mais necessária no mundo globalizado em que vivemos. Queira ou não nós temos que viver com a diferença e, para tanto é preciso escutar. Nunca o diálogo foi tão importante.
AT - Salman Rushdie tem uma citação em um de seus livros - "É a função do poeta: nomear o inominável, apontar as fraudes, tomar partido, despertar discussões, dar forma ao mundo e impedir que adormeça" - é nesse sentido de engajamento que você acredita e defende "a força da palavra"?
BM - Também nesse sentido. A expressão que deu origem ao titulo do meu livro, me ocorreu quando entrevistei Nathalie Sarraute, que entrou na Pleiade em vida, não queria e não precisava dar entrevista alguma, mas acabou dando porque não resistiu à perspectiva de falar, porque a palavra tem uma incrível força, ela arrebata.  Nós nascemos para a palavra. Somos, como dizia Lacan, falesseres. Seres da fala, do falo e prometidos à morte, ao falecimento. 
AT - Na introdução de A força da palavra você fala do ato de escrever como desprestigiado. Isso ocorre apenas no Brasil, onde a fama do brasileiro é a de um povo que não lê, ou tem relação com a cultura global contemporânea, tida como imediatista e centrada na imagem e no prazer instantâneo?
BM - A cultura brasileira é predominantemente musical. Nada a ver com a cultura francesa, por exemplo, que é uma cultura literária. Por isso, grande parte dos escritores brasileiros trabalha também para a imprensa.  Hoje, poucos  vivem do livro e para o livro . Só quem escreve auto-ajuda ou bestseller. Nada a ver com a literatura, claro. 
AT - Das entrevistas em A força da palavra existe uma preferida, um entrevistado que tenha te cativado?
BM - Gostei muito de entrevistar Michel Serres, que falou da importância da educação e da viagem, como recurso educativo. A entrevista com Octavio Paz sobre A Dupla Chama, o livro sobre o amor que ele escreveu com mais de 80 anos, foi fundamental. Tornou-se uma referência do meu consultório sentimental pela idéia de que o amor é uma aposta na liberdade. 
AT - A entrevista com Derrida, em que além das perguntas e respostas, você publica também a narração da atmosfera anterior a cada resposta do filósofo, as hesitações dele, foi um dos seus maiores desafios como entrevistadora? O que ficou dessa experiência para a Betty Milan jornalista, mas principalmente qual o aprendizado que ficou para a escritora e a pensadora?
BM - A entrevista com Derrida é a expressão da situação contraditória em que o escritor se encontra hoje. O que ele quer quando escreve é ser lido. Mas é obrigado a falar sobre o livro porque só assim o livro passa a existir.
AT - Sua entrevista com o Bei Dao se parece com uma partida de tênis ou um duelo de esgrima. Esse foi um entrevistado que você precisou conquistar ao longo da conversa?
BM - Não há um único entrevistado que eu não tenha precisado conquistar porque esta é a condição sine qua non de uma boa entrevista literária, ou seja, daquela que surpreende o entrevistador e o entrevistado.
AT - Quais foram as personalidades mais difíceis de entrevistar: os poetas, os romancistas ou os psicanalistas, até por conta da sua própria experiência com a psicanálise?
BM - O mais difícil foi o filósofo da desconstrução, Derrida, e por isso a entrevista é particularmente interessante e teve um grande destaque na imprensa. Levei meses para conseguir a entrevista e um bom tempo para escrever.

Ficha do livro

A força da palavra – De Octavio Paz a Derrida: grandes entrevistas
Autora: Betty Milan
Editora: Record (www.record.com.br)
404 páginas
R$ 54,90

Entrevista Betty Milan: "A escuta tem uma função pacificadora"

Nenhum comentário:

Postar um comentário